Adeus, kodê


O músico e compositor Kodê di Dona foi a enterrar na tarde desta quarta-feira, 06 de Janeiro, no Cemitério da Várzea, na Cidade da Praia. O cortejo foi seguido por autoridades culturais, e do poder local, activistas culturais, admiradores, familiares e amigos do acordeonista e intérprete vocal, falecido ao anoitecer de terça-feira na Capital do País, vitimado por doença.

Kodê di Dona que há 69 anos ( 10/07/1940) nascia para o acordeão ou gaita, como o instrumento é denominado em Santiago, trocou Vale da Custa em São Francisco, onde residia, por um túmulo na Cidade Praia Maria que adjectivou de bunitu, numa das suas canções célebres. Agora descansa no cemitério da Várzea da Companhia, bairro onde viveu alguns anos da adolescência.

A morte de Kodê tocou particularmente os familiares e amigos - no geral a Cultura cabo-verdiana – que. na tarde desta quarta-feira, chorou nas avenidas da Capital a morte de um dos maiores tradicionalistas do Funaná, género que granjeou-lhe a admiração de milhares de cabo-verdianos.

Ao longo do cortejo uma orquestra de músicos com ligações diversas a Kodê di Dona interpretaram, em tom de lamento, algumas das composições do malogrado como “Fomi 47” ou “Febri Funaná”.

“Julgo que Kodê di Dona foi a nossa fonte para a estilização do Funaná. Não porque participou activamente nos arranjos e nas concepções rítmicas, mas por ter com ele aprendido a tradição”. Foi com este depoimento que Zé Mário, vocalista do extinto conjunto Bulimundo, sintetizou a percepção da importância de Kodê di Dona do êxodo do Funaná; partindo para o urbano mas mantendo-se apegado à raiz tradicional.

Zé Mário foi apenas uma dos artistas que se fez presente ao lado de Kim Alves, Zé Timas, Zeca Nha Reinalda, Kaká Barbosa, entre outros; uma fila enorme de renomados activistas em várias áreas da arte e cultura cabo-verdianas.
A morte de Kodê di Dona relançou a discussão sobre a temática da valoração e valorização dos criadores e produtores cabo-verdianos. É que muitos, na intimidade do lar, vivem quase que na miséria, uma situação que contrasta com a audácia em palco.

António Lopes, vereador da Câmara Municipal da Praia, julga por isso que mais do que inventariar soluções se passe a acção. “Temos que agir por forma a garantir dignidade financeira aos nossos produtores de cultura. Os poderes central e local devem legislar e regulamentar mas e sobretudo incentivar a criação de um mercado que possibilite que, neste caso, os músicos consigam valorar-se pelo seu trabalho”, disse.

De toda a Ilha de Santiago vieram centenas de cabo-verdianos e até mesmo turistas que quiseram testemunhar a partida de Kodê di Dona. Kodê - antigo guarda florestal, o mais tradicional dos acordeonistas da terra -, percebe-se, ficará eternizado pelo Funaná, música que só na década de 70, empiricamente pelo Opus 7, e depois (1979) pelas mãos de Bulimundo passou a conhecer a Cidade da Praia, o País para, agora, ser cartaz no estrangeiro.

Algo com que certamente Kodê, na ida época colonial, não sonhara, pois que naquele tempo, apesar de tocar o Funaná, nas ribeiras e nos cutelos de Santiago, o género era para as autoridades de então nada mais do que um ritmo ruidoso. Pelas ruas da Praia esta quarta-feira, ao som do Funaná Kodê di Dona foi a enterrar, deixando aos filhos os seus dotes musicais, com os quais gravou um dos seus dois álbuns.