Vasco Martins - “Manuel de Novas era suficientemente suficiente”



Pela ciência do musicólogo Vasco Martins, percorremos, na RCV, a obra do malogrado trovador Manuel de Novas (Santo Antão, 1938 – Mindelo 2009). Vasco Martins privou várias vezes com o autor de “Biografia Dum Crioulo”, tendo-o entrevistado para o seu livro “A Morna”, publicado na década de 1990. Eram amigos e debatiam algumas vezes sobre a música cabo-verdiana. Uma semana depois da morte de Manuel de Novas, a Rádio de Cabo Verde prestou-lhe homenagem tendo sido Vasco Martins um dos convidados. A partir da sua residência em São Vicente, o músico contou, em entrevista, como conheceu o trovador, cuja obra considera ser um percurso pela história recente de Cabo Verde.


Por Elisângelo Ramos*: - Vasco Martins o que fica de Manuel de Novas?


Vasco Martins: - Fica a memória que todos conhecemos. Depois do seu desaparecimento deste lado do Universo, fica, para já esta memória que conhecemos, a dum homem com um coração muito grande. Fica a memória de um homem na verdadeira acepção da palavra. Fica, ainda, a belíssima música que escreveu.

Elisângelo Ramos: - Como o conheceu?

Lembro-me de ter vindo de férias a Cabo Verde. Apenas conhecia a música do Manel. Lembro-me de o ter encontrado na Praça Estrela, em São Vicente, durante um dos bailes que se realizavam no então recinto. Abraçou-me e disse-me que estava atento a minha música. Isso foi em 1976. A primeira ideia que me fica do Manel é que ele era um homem curioso e bastante consciente do valor que tinha. N’altura da recolha para o meu livro, o Manel me ajudou não só em relação à música cabo-verdiana mas e também dos contactos. A nossa amizade começou assim.

Elisângelo Ramos: - O que mais o atraía nele?

Vasco Martins: - Lembro-me de - na década de 80 (1988/89) - ter assistido a um ensaio do Bana em que Manuel de Novas explicava-lhe algo sobre a música que ia ser interpretada. Fiquei admirado pela forma como o compositor transmitia, via oral, ao intérprete Bana a música que ia ser cantada, não tendo ele Manuel de Novas conhecimentos de pauta e estas coisas.

Elisângelo Ramos: - Diz ser Manel um músico singular. Porquê?

Vasco Martins: - O Manuel é uma espécie de continuador da escola de B.Leza. Aliás ele conheceu B.Leza. Sendo um continuador da escola de B.Leza – (escola do meio-tom) – há o caminho do B.Leza em sua obra. As suas influências eram, diga-se, não só de Cabo Verde mas também das várias paragens por onde passou. O Manuel sendo marinheiro pode-se ver que no jogo de acordes era um homem viajado. A sua morna é singular. É com a tradição oral que ele consegue uma morna singular, porque não dominava a técnica científica da música. A morna de Manel é pois singular, na letra e nos acordes. Ele era suficientemente suficiente.

*Jornalista