ADEUS, MANUEL D' NOVAS



Adeus, Manuel de Novas



(Santo Antão, 1938 – Mindelo, 2009)

 Elisângelo Ramos*
 
 
 
 
A notícia chega pela manhã desta segunda-feira, 28,deste maldito Setembro de 2009. Desgraçadamente este 2009, pior este Setembro, vai ser recordado como o mais aterrorizador mês deste ano. Por cá arrasou diques, sacudiu árvores e leva - agora - raízes e folhas da nossa Cultura.






Nesta segunda-feira: mal nossos olhos se tinham aberto para mais uma jornada, mal tínhamos acordado para a realidade de a porta da casa não mais bater de frente com Mário Fonseca somos, friamente, desapropriados dum contemporâneo do poeta que fizemos questão de homenagear, horas antes, no Magazine Cultural da Rádio de Cabo Verde. Assim como a dor é para a família sê-lo-á, também, para o Jornalista Cultural – habituado a calcorrear os mesmos caminhos, partilhando não raras vezes as mesmas mesas e os mesmos sentires.


Decididamente: abstenho-me de 2009!!! Levou-me amigos, tirou-nos riqueza, remeteu-nos ao silêncio, sepultou-nos as Vozes. Malvadamente apropria-se de nós. Orlando Lima, o Jornalista da RCV – Mindelo, interrogou-se ao dar a notícia: morreu Manuel de Novas?!?? Compreendi a voz do apresentador, e senti seu coração. Afinal, fomos todos meninos de Manel.


O poeta, compositor e intérprete Manuel de Novas pousara a pena. De seguida o comentário quase que a ilibar Setembro: “morre o homem, fica a obra”. Muito pouco, quase nada para a Obra que era Manuel de Novas. Sim, parte obreiro duma biografia que só pode ombrear com as montanhas que o viram parido. As mesmas montanhas que trocou pela imensidão do mar, a cata de ouro para o tornar diamante desde o feito Bana à jovem Solange Cesarovna.


Entrevistamos Manuel de Novas pela primeira vez em 1993. Era daquelas fontes que qualquer principiante de Rádio queria ter como entrevistado. Era como que o crivo de qualidade em nosso trabalhado, ainda prenhe de amadorismo.

Com a autenticidade e autoridade das palavras do poeta da intervenção social e política julgávamos, na inocência juvenil, estar a altura dos profissionais. E cantava a vida quando lhe era pedido que a contasse. Em cada resposta havia uma composição ilustrativa.


Disse-nos ter sido em 1957 que compôs a sua primeira morna, pinote na vapor. A bordo do navio Novas d’Alegria ganha o nominho Manuel de Novas. Na alegria do navio compôs serpentinha, a primeira coladeira.


Neste 28 de Setembro de 2009 – a dois dias de se celebrar o “Dia Mundial da Musica” (01 de Outubro), dizia, num breve olhar pelo bocadetubarão.blogspot.com lia o filho de Manuel de Novas, Neu Lopes:

“O que me move neste momento é a iniciativa da Diva Barros em cantar Manuel d’Nova (…). Não é fácil cantar Manuel d’Novas e Diva o sabe bem. Já o Bana e a Cesária Évora cometeram alguns pequenos erros, principalmente no que diz respeito às letras das músicas de Novas. Ildo Lobo terá sido o intérprete que mais se aproximou da verdadeira essência da música de Manuel d’Novas. É que quem canta a música desse compositor tem que conhecer não só a música e a letra, mas também a história e o contexto que a envolve”.


Pois é: pela sua voz e guitarra Manuel de Novas passava aos cantores e/ou intérpretes vocais o sentimento que queria transmitir nas suas composições. Recordo de o ter dito Ildo Lobo, de ter sido assim com Bana, Cesária Évora, e de recentemente terem vivido esta experiência Mayra Andrade, Diva Barros e Solange Cesarovna. Da primeira morna (Pinote na Vapor), da primeira Coladeira (Serpentinha) – composta em 1957 – à Travessa de Peixeira – o êxito mais recente, Manuel de Novas era o pioneiro na execução das suas músicas. Fazia-no a presença de quem mais tarde tinha a sorte de as gravar.


Mas ele era assim: mesmo após uma entrevista era difícil sair da casa do músico. Tinha sempre algo a acrescentar. Mesmo com os microfones fechados. Tinha um quê de procura de perfeccionismo em tudo. Até na motivação do riso – procurava a melhor piada. Vivi Manuel de Novas. Dele guardo um pendor estético que sobreviveu a várias gerações, dele recordo diariamente o comprometimento com o pensar critico. Manuel de Novas era um critico – um leitor do País e do Mundo – uma fera da escrita em crioulo, variante de São Vicente – mas e sobretudo um cabo-verdiano que nunca se calou perante a sociedade: denunciou a arrogância, cantou a alegria e esconjurou o abuso do poder – suas letras di-lo. Manuel de Novas é um crioulo cuja biografia é um pedaço de cada crioulo cabo-verdiano. O poeta nunca morre - porque obreiro da sua eternidade.

Como escreve César Schofiel em bianda.blogspot.com  "quando as árvores caem é tempo de minutos de silêncio”.

*Jornalista


CRÓNICA PRODUZIDA PELA RÁDIO DE CABO VERDE