"Ensaios Etnográficos ..." na Praia pela Uni - CV


A Universidade de Cabo Verde (Uni-CV) lança, quinta-feira, 21, na Cidade da Praia, a obra “Ensaios Etnográficos na Ilha de Santiago de Cabo Verde; Processos Identitários na Contemporaneidade”.

Com esta obra colectiva a Universidade pública, por um lado, documenta em livro seis estudos/ensaios realizados no âmbito de um mestrado em Ciências Sociais, envolvendo a Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Por outro lado, com a publicação de “Ensaios Etnográficos na Ilha de Santiago de Cabo Verde; Processos Indentitários na Contemporaneidade” a Uni-CV coloca ao estante do leitor “um grande avanço no auto-conhecimento da sociedade cabo-verdiana” lê-se da pena do Reitor da Uni-CV, no prefácio ao livro.
António Leão Correia e Silva observa que o livro traz “algumas tendências emergentes, que marcam dinâmicas de recomposição social na sociedade cabo-verdiana”. É de Correia e Silva também a afirmação de que “ o mérito desta publicação científica é que ela almeja inaugurar uma nova geração de cientistas sociais”.
Os autores da colectânea de ensaios são – hoje – todos mestres em Ciências Sociais pela Universidade de Cabo Verde.





Construção Patrimonial da Cidade Velha: usos políticos, turísticos e identitários, por Flavia Lenira dos Santos; Craveiro Lopes – bairro de músicos e músicos do bairro: a diferença que o bairro faz ou a diferença que a música faz?, de Cármen Liliana Furtado; Mandjakus em Praia: etnografando trajectórias de imigrantes da Costa Ocidental de Africa, ensaio de Eufémia Vicente Rocha, Txoru Falado e Txoru cantado, representações sociais da morte no espaço rural de Achada Falcão, um trabalho de Maria Madalena Correia; Fornadja, campo e casa – espaços em transformação: o caso da Ribeira de Principal, estudo de Carla Carvalho; e Rabelados no Bacio e no Espinho Branco: pontes e portas na (re)formulação identitária do grupo, por Maria de Lourdes Gonçalves são os seis ensaios que dão conteúdo ao volume de quase 300 páginas.





A obra inaugura a série Estudos Sociais Cabo-verdianos das Edições Uni-Cv e tem como organizadores os brasileiros Maria Elizabeth Lucas e Sérgio Baptista da Silva da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O livro será lançado nas instalações da Reitoria da Universidade de Cabo Verde no próximo dia 2, pelas 18h00, tendo como apresentadores os professores José Carlos dos Anjos e Marcelo Galvão Baptista.

Adeus, kodê


O músico e compositor Kodê di Dona foi a enterrar na tarde desta quarta-feira, 06 de Janeiro, no Cemitério da Várzea, na Cidade da Praia. O cortejo foi seguido por autoridades culturais, e do poder local, activistas culturais, admiradores, familiares e amigos do acordeonista e intérprete vocal, falecido ao anoitecer de terça-feira na Capital do País, vitimado por doença.

Kodê di Dona que há 69 anos ( 10/07/1940) nascia para o acordeão ou gaita, como o instrumento é denominado em Santiago, trocou Vale da Custa em São Francisco, onde residia, por um túmulo na Cidade Praia Maria que adjectivou de bunitu, numa das suas canções célebres. Agora descansa no cemitério da Várzea da Companhia, bairro onde viveu alguns anos da adolescência.

A morte de Kodê tocou particularmente os familiares e amigos - no geral a Cultura cabo-verdiana – que. na tarde desta quarta-feira, chorou nas avenidas da Capital a morte de um dos maiores tradicionalistas do Funaná, género que granjeou-lhe a admiração de milhares de cabo-verdianos.

Ao longo do cortejo uma orquestra de músicos com ligações diversas a Kodê di Dona interpretaram, em tom de lamento, algumas das composições do malogrado como “Fomi 47” ou “Febri Funaná”.

“Julgo que Kodê di Dona foi a nossa fonte para a estilização do Funaná. Não porque participou activamente nos arranjos e nas concepções rítmicas, mas por ter com ele aprendido a tradição”. Foi com este depoimento que Zé Mário, vocalista do extinto conjunto Bulimundo, sintetizou a percepção da importância de Kodê di Dona do êxodo do Funaná; partindo para o urbano mas mantendo-se apegado à raiz tradicional.

Zé Mário foi apenas uma dos artistas que se fez presente ao lado de Kim Alves, Zé Timas, Zeca Nha Reinalda, Kaká Barbosa, entre outros; uma fila enorme de renomados activistas em várias áreas da arte e cultura cabo-verdianas.
A morte de Kodê di Dona relançou a discussão sobre a temática da valoração e valorização dos criadores e produtores cabo-verdianos. É que muitos, na intimidade do lar, vivem quase que na miséria, uma situação que contrasta com a audácia em palco.

António Lopes, vereador da Câmara Municipal da Praia, julga por isso que mais do que inventariar soluções se passe a acção. “Temos que agir por forma a garantir dignidade financeira aos nossos produtores de cultura. Os poderes central e local devem legislar e regulamentar mas e sobretudo incentivar a criação de um mercado que possibilite que, neste caso, os músicos consigam valorar-se pelo seu trabalho”, disse.

De toda a Ilha de Santiago vieram centenas de cabo-verdianos e até mesmo turistas que quiseram testemunhar a partida de Kodê di Dona. Kodê - antigo guarda florestal, o mais tradicional dos acordeonistas da terra -, percebe-se, ficará eternizado pelo Funaná, música que só na década de 70, empiricamente pelo Opus 7, e depois (1979) pelas mãos de Bulimundo passou a conhecer a Cidade da Praia, o País para, agora, ser cartaz no estrangeiro.

Algo com que certamente Kodê, na ida época colonial, não sonhara, pois que naquele tempo, apesar de tocar o Funaná, nas ribeiras e nos cutelos de Santiago, o género era para as autoridades de então nada mais do que um ritmo ruidoso. Pelas ruas da Praia esta quarta-feira, ao som do Funaná Kodê di Dona foi a enterrar, deixando aos filhos os seus dotes musicais, com os quais gravou um dos seus dois álbuns.

O "Estádio" da Cultura


O deficiente parque cultural em Cabo Verde tem suscitado a critica severa de criadores e produtores, que reclamam não haver no País infra-estruturas suficientes. Há menos de dois meses da realização - em Cabo Verde - do Encontro Internacional de Turismo, o Presidente da UNOTUR, veio, esta “Quarta a Noite” (Programa da RCV), queixar-se da inexistência de infra-estruturas e politicas culturais que promovam o desenvolvimento integrado do turismo. Gualberto do Rosário lamenta que, por exemplo, as ilhas do Sal e da Boavista não tenham salas para a realização de ventos culturais.

Os destinos turísticos mais procurados não dispõem de espaços capazes para a promoção cultural, principalmente para grandes espectáculos. Tem sido, quase que exclusivamente, nos hotéis que o turista interage com cultura cabo-verdiana; das artes, nomeadamente da música.

Sendo que sem infra-estruturas culturais dignas fica difícil a elaboração e execução de um roteiro cultural, Gualberto do Rosário apontou no debate desta quarta-feira, 07, o que falta para que a Cultura seja factor de desenvolvimento turístico e o turismo contribua para o desenvolvimento cultural.

Mais: o fraco aproveitamento das potencialidades culturais e artísticas de Cabo Verde leva o presidente da Câmara de Turismo, UNOTUR, a sugerir as autoridades que, face a esta dura realidade, os pequenos empresários devem ser financiados para entrarem nesse mercado, ainda incipiente.

Outrossim, Gualberto do Rosário vinca que há lacunas que desmotivam qualquer projecto na área da promoção cultural. E a ausência de infra-estruturas é uma dessas lacunas.

O discurso do antigo primeiro-ministro, Gualberto do Rosário, é reforçado por João Branco. Este activista cultural mindelense tem batido para a edificação em São Vicente duma sala de espectáculos. Tal como Gualberto do Rosário, João Branco, importa que Boavista e Sal estejam despidas de infra-estruturas culturais.

O Parque Cultural em Cabo Verde sempre foi questionado pelos criadores e produtores. Sempre constou dos programas de Governo a construção de infra-estruturas para a Cultura. Nem sempre o Orçamento de Estado respondeu aos anseios das autoridades e da comunidade artística.

Em todo os municípios do País – em todos – é notória a insuficiência de espaços para práticas culturais. A realidade recomendou, desde há décadas, o levantamento de infra-estruturas culturais. Porém só na década de 90, Cabo Verde viria a acordar para a importância económica da Cultura. Foram mandados recuperar alguns edifícios, que agora funcionam como Centros Culturais.

O Auditório Nacional Jorge Barbosa, na Cidade da Praia, e a Biblioteca Nacional terão sido as únicas infra-estruturas projectadas e erguidas de raiz para a Cultura. Esta questão das infra-estruturas em Cabo Verde sempre marcou a agenda política e cultural. Trata-se dum assunto que acaba por questionar as politicas culturais dos sucessivos governos. O que se nota, neste momento, é a prioridade em se reabilitar e/ou recuperar o património construído.

Há projectos e anúncios de edificação de infra-estruturas de raiz, sem que esses mesmos projectos passem a prática. Enquanto se assiste, com pompa e circunstancia, a inauguração de estádios de futebol em todo o País – não há memória recente da inauguração de uma sala de espectáculos.






Salvagurada do Património


As actividades, no âmbito do Dia Nacional da Cultura, arrancam hoje, 07, e prolongam-se por todo este Outubro.Sob o signo da tradição, vários departamentos culturais programaram actividades específicas na maioria do território nacional.



É assim que uma delegação técnica do Instituto de Investigação e Património Culturais, IIPC, chegou na manhã desta quarta-feira, 7, a Vila da Ribeira Brava. Liderada pelo Presidente do Instituto, a delegação tem como objectivo acertar com as autoridades locais da Ribeira Brava o projecto de reabilitação do antigo Orfanato de Caleijão.

Na prática: o ex-orfanato em Caleijão é um monumento cujo projecto de reabilitação nunca arrancou . Agora é Carlos Carvalho, o presidente do Instituto de Investigação e Património Culturais a tomar para si a recuperação deste que é considerado um dos mais valiosos patrimónios edificados na Ribeira Brava:

"A missão tem, em São Nicolau, encontros com o edil Américo Nascimento e o vereador pela Cultura. Da Câmara de Ribeira Brava espera sair com os necessários acertos burocráticos para o início do projecto. As obras arrancam este mês. Em dinheiro estão garantidos 40 mil contos", Carlos Carvalho, presidente do IIPC. .

Incluído, ainda, no programa do IIPC para a marcação do Dia Nacional da Cultura lê-se que, finalmente, as obras de recuperação da Capitania Velha, em São Vicente, têm inicio, também, neste Outubro.

O projecto para a Réplica da Torre de Belém em Mindelo vinha dando práqui e acolá. Agora - e depois de posta de parte a ideia do Oceanário do Mindelo -, o novo projecto tem dias para sair do papel. Aliás, o orçamento de aproximadamente 30 mil contos, está financiado.

O programa do Instituto de Investigação e Património Culturais resume as áreas em que actua: investigação e património. Na Cidade Velha estão agendadas actividades envolvendo jovens investigadores, alunos do EBI e do Secundário, bem assim, inaugurações, como por exemplo, a iluminação pública deste Sitio Património Mundial pelo UNESCO, Fundo das Nações Unidas a Educação, Ciência e Cultura, deste 26 de Junho deste 2009.

O Governo pretende, com a comemoração do Dia Nacional da Cultura, realizar uma agenda cultural que sirva de modelo para os próximos meses. O ministro Manuel Veiga vai percorrer algumas infra-estruturas culturais, visitar artistas e traçar à Imprensa os projectos para, pelo menos, até Dezembro.

A programa nacional de celebração do 18 de Outubro está a ser ultimado. As directivas são que este mês seja de tradição cabo-verdiana.



PRODUÇÃO,  RCV


VEIGA REGRESSA COM ODJU D'AGU


O romance Odju d’Agu - da autoria de Manuel Veiga - é reeditado pela Biblioteca Nacional e relançado, este mês, na Cidade da Praia. O livro – escrito em crioulo cabo-verdiano – foi reescrito por Manuel Veiga, agora tendo como ferramenta o Alfabeto Cabo-verdiano.


22 anos após a primeira edição, o novo Odju d’Agu traz uma nova ortografia, por Manuel Veiga ter adoptado o Alfabeto Cabo-verdiano na escrita do romance. Veiga é um dos defensores do crioulo cabo-verdiano, assunto que, por um lado, lhe tem merecido críticas dalguns quadrantes , descontentes com a forma como o processo vem sendo conduzido.

O linguista, entretanto, tem procurado justificar a tese do Alfabeto Cabo-verdiano, ferramenta linguística que tem merecido, por outro lado, crítica positiva de cientistas sociais. Os testemunhos recolhidos, o ano passado na Praia, por altura da reunião sobre o então Alfabeto Unificado para a Escrita do Crioulo, não deixam dúvidas: o Alfabeto tem defensores.

Contudo – e muito importante, questões de fórum técnico e cientifico têm sido abordadas amiúde nas crónicas sobre a Oficialização do Alfabeto e Língua Cabo-verdianos. Todavia, é notória uma certa dose de regionalismo, quando não muito, de um certo bairrismo na abordagem ao assunto.

Certo, certo é que o livro de Manuel Veiga poderá ter resposta à algumas das questões em cima da mesa, porquanto sendo ele linguista, escritor e ministro da Cultura, poderá melhor provar como pretende levar os cépticos a compreenderem a sua argumentação.

Odju D’agu foi lançado pela primeira vez em 1987. Naltura não existia o ALUPEC. Agora com o Alfabeto Cabo-verdiano, aprovado e feito lei, Manuel Veiga dá ao público um romance formatado e cozinhado no fervor da oficialização da língua materna. O livro vai ser lançado este mês, no âmbito do programa comemorativo do Dia Nacional da Cultura (18 de Outubro), em tributo a Eugénio Tavares, um dos principais cultores da língua cabo-verdiana.

Afora o relançamento de Odju d’Agu, pouco ainda se sabe sobre a agenda das celebrações do Dia Nacional da Cultura. Este ano a efeméride é comemorada na Cidade de Assomada, embora haja previsão de actividades em quase todos os municípios. Sob o signo da tradição vai ser celebrada esta data mandada instituir pelo Parlamento.



... EMITIDO NA RCV


Cultura e Turismo


Jovens da Ribeira Grande de Santiago frequentam, na Cidade da Praia, até meados deste mês um curso de Guias Turísticos. Há aproximadamente quatro meses os 18 jovens oriundos de várias zonas da Ribeira Grande de Santiago começaram a formação em línguas estrangeiras e outras áreas de conhecimento, necessárias a um bom desempenho dum guia turístico.

Agora recebem aulas de Cultura, nas instalações do Instituto de Investigação e Património Culturais, IIIPC, que se associou ao Projecto do Instituto de Emprego e Formação Profissional, IEFP, e da Câmara Municipal da Ribeira Grande de Santiago.


Os módulos são dados pelos técnicos do IIPC. A museóloga Maria Eugenia Alves em Museologia, o arqueólogo Hamilton Jair Fernandes em Turismo Cultural, o historiador Ilídio Baleno dá as aulas de História, e a linguista Adelaide Monteiro está em tradições orais, enquanto que a parte de Politicas culturais é ministrada por Deborah Santos.

Depois de formados, os jovens – futuros guias turísticos - vão ao mercado procurar emprego. A intenção das autoridades da Cidade Velha e do Governo é que estes 18 jovens preencham a lacuna a esse nível na Ribeira Grande de Santiago.

FONTE: RCV - CULTURA



O livro cabo-verdiano vai estar presente na Feira do Livro de Brasília, a decorrer na Capital brasileira, na segunda quinzena deste mês – de 16 à 25. Para além da literatura cabo-verdiana, as autoridades culturais decidiram incluir, também, conferências sobre a Cultura Nacional.


Pela primeira vez os cabo-verdianos vêem-se representados na Feira do Livro de Brasília, certame anual que reúne obras de vários países, e tido pelos leitores e académicos como uma das mais bem organizadas e concorridas Feiras do Livro da América Latina.

Embora já vá na vigésima-oitava edição, só agora Cabo Verde é convidado a estar presente.

A frente desta missão cultural ao Brasil está o Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro. Joaquim Morais – o presidente desta instituição – visitou a Feira de Brasília no ano passado.

Dessa experiência se deve o convite a Cabo Verde. Assim, de 16 a 25 deste Outubro, em Brasília, o País - vencedor do Prémio Camões deste ano - diz-se presente.

Do acervo a embarcar para Brasília contam-se livros de vários autores, obras publicadas em Cabo Verde ou de escritores nacionais editados no estrangeiro.

O Presidente do Instituto da Biblioteca Nacional, Joaquim Morais, aposta na internacionalização do livro cabo-verdiano, missão facilitada pelos prémios com que autores cabo-verdianos têm sido distinguidos.

Afora a participação em certames culturais no estrangeiro, a pretendida internacionalização da literatura cabo-verdiana assenta, ainda, na tradução de obras nacionais para línguas estrangeiras. Neste sentido há experiências de sucesso, principalmente de iniciativas privadas.

Na Capital brasileira, a delegação cabo-verdiana espera estabelecer compromissos com livreiros e distribuidores, que podem ampliar oportunidades de edição, e fomentar as trocas culturais:

O stand de Cabo Verde, além de promover a exposição de obras literárias nacionais dos mais variados segmentos, vai realizar outras actividades culturais, nomeadamente palestras com os escritores Filinto Elísio e Dany Spínola, e um concerto com Tó Alves. A apresentação dos novos livros de Spínola e Filinto faz, igualmente, parte da agenda da delegação cabo-verdiana.

De 16 à 25 deste mês, a Feira do Livro de Brasília homenageia os 50 anos do Estado, na condição de Capital Federal.

Ao Brasil desembarca mais uma comitiva cultural cabo-verdiano, um acto que vem multiplicar as iniciativas no quadro do intercâmbio cultural entre os Praia e Brasília. Recordo que o embaixador de Cabo Verde no Brasil, Daniel Pereira, tem lançado uma ofensiva cultural em vários Estados Brasileiros e conta-se, ainda, a participação de criadores e produtores nacionais em vários certames desde o Cinema, as Artes Plásticas, o Teatro, a Literatura passando por Conferências.


Vasco Martins - “Manuel de Novas era suficientemente suficiente”



Pela ciência do musicólogo Vasco Martins, percorremos, na RCV, a obra do malogrado trovador Manuel de Novas (Santo Antão, 1938 – Mindelo 2009). Vasco Martins privou várias vezes com o autor de “Biografia Dum Crioulo”, tendo-o entrevistado para o seu livro “A Morna”, publicado na década de 1990. Eram amigos e debatiam algumas vezes sobre a música cabo-verdiana. Uma semana depois da morte de Manuel de Novas, a Rádio de Cabo Verde prestou-lhe homenagem tendo sido Vasco Martins um dos convidados. A partir da sua residência em São Vicente, o músico contou, em entrevista, como conheceu o trovador, cuja obra considera ser um percurso pela história recente de Cabo Verde.


Por Elisângelo Ramos*: - Vasco Martins o que fica de Manuel de Novas?


Vasco Martins: - Fica a memória que todos conhecemos. Depois do seu desaparecimento deste lado do Universo, fica, para já esta memória que conhecemos, a dum homem com um coração muito grande. Fica a memória de um homem na verdadeira acepção da palavra. Fica, ainda, a belíssima música que escreveu.

Elisângelo Ramos: - Como o conheceu?

Lembro-me de ter vindo de férias a Cabo Verde. Apenas conhecia a música do Manel. Lembro-me de o ter encontrado na Praça Estrela, em São Vicente, durante um dos bailes que se realizavam no então recinto. Abraçou-me e disse-me que estava atento a minha música. Isso foi em 1976. A primeira ideia que me fica do Manel é que ele era um homem curioso e bastante consciente do valor que tinha. N’altura da recolha para o meu livro, o Manel me ajudou não só em relação à música cabo-verdiana mas e também dos contactos. A nossa amizade começou assim.

Elisângelo Ramos: - O que mais o atraía nele?

Vasco Martins: - Lembro-me de - na década de 80 (1988/89) - ter assistido a um ensaio do Bana em que Manuel de Novas explicava-lhe algo sobre a música que ia ser interpretada. Fiquei admirado pela forma como o compositor transmitia, via oral, ao intérprete Bana a música que ia ser cantada, não tendo ele Manuel de Novas conhecimentos de pauta e estas coisas.

Elisângelo Ramos: - Diz ser Manel um músico singular. Porquê?

Vasco Martins: - O Manuel é uma espécie de continuador da escola de B.Leza. Aliás ele conheceu B.Leza. Sendo um continuador da escola de B.Leza – (escola do meio-tom) – há o caminho do B.Leza em sua obra. As suas influências eram, diga-se, não só de Cabo Verde mas também das várias paragens por onde passou. O Manuel sendo marinheiro pode-se ver que no jogo de acordes era um homem viajado. A sua morna é singular. É com a tradição oral que ele consegue uma morna singular, porque não dominava a técnica científica da música. A morna de Manel é pois singular, na letra e nos acordes. Ele era suficientemente suficiente.

*Jornalista

JUSTINO DELGADO: "”Sou um músico de intervenção social e politica”


JUSTINO DELGADO, em Cabo Verde


"Sou um músico de intervenção social e politica"






Cabo Verde é um destino sempre aprazível para Justino Delgado. Do país sempre leva a paz. Infelizmente “não posso estar lá todos os dias”. Chega a Capital cabo-verdiana poucos dias antes do concerto de Sábado, 03 de Outubro, no Auditório Nacional Jorge Barbosa, a convite da Comunidade Guineense na Cidade da Praia. Lamenta não poder trazer consigo a banda que sempre o acompanha. Mas, aliviado: “os gajos de Cabo Verde são bons. Vou ser acompanhado por grandes músicos”, alegra-se.



Nesta entrevista ao terraactiva.blogspot.com, a partir de Bissau, o músico - que regressou a terra natal para participar da recente campanha para a eleição do novo Presidente da Republica da Guiné-Bissau – aponta os caminhos para o desenvolvimento das artes e cultura guineenses. Mas lá vai avisando: “a minha participação na campanha eleitoral é para o desenvolvimento do meu País”.


Por Elisângelo Ramos*




Elisângelo Ramos (E.R.): - Porque motivo se empenhou tanto na campanha às presidenciais na Guiné-Bissau?



Justino Delgado (J.D.): - A campanha eleitoral fez-me abster da carreira por longos dias. Fui um interveniente directo. Fui, diria, o principal interveniente cultural na campanha do candidato vencedor. Minha participação em qualquer campanha ajuda – sem vaidade – voltar qualquer resultado. Considero-me, sem dúvida, uma esperança de paz, para a Guiné-Bissau, África e para o Mundo. Quero ajudar meu povo a encontrar a paz tão necessária. Apoiei Malam Bacai Sanhá, e espero ver Guiné-Bissau a avançar. Todos sabem que sou por um mundo onde se possa respirar paz. Sou músico comprometido. Assumo plenamente a minha militância social.



E.R.: - Agora que a situação na Guiné-Bissau aparenta ser de normalidade democrática e paz social, como pensa retomar aos palcos e aos estúdios?



J.D.: Regresso em alta velocidade. Gravei já a maior parte das músicas do meu próximo álbum. Está a ser ultimado em Paris, França, aonde devo deslocar-me, em breve, para concluir o trabalho. Tenho estado a trabalhar em vários projectos. Depois do disco - que está quase pronto – minhas atenções centram-se numa colectânea dos meus vídeos. Afora isso estou, também, a fomentar um grupo de dança, composto por jovens que mais tarde farão parte da minha companhia de dança. Quero ter um corpo de bailarinos para me acompanhar. Referindo-se, ainda, a música tenho em carteira um disco acústico que estou a preparar para ser gravado em Dakar, Senegal. Tenho uma forte ligação com Senegal. Pretendo fazer a ponte entre França, Senegal e Guiné-Bissau. Meus projectos são sempre pensados neste triângulo. Outros mercados como Cabo Verde, os restantes países africanos de língua portuguesa assim como Portugal me dizem muito na programação e no destino do meu trabalho. Estou complementado pela cultura francófona e pela lusófona. Por este andar vê que meus caminhos são bastante diversos. É esta diversidade que procuro transmitir no meu pensar e na música que produzo.



E.R.: O nome de Justino Delgado inscreve-se, perfeitamente, no conceito de World Music. Como tem procurado aperfeiçoar esta música do mundo que diz ser um dos criadores?



J.D.: - A música não tem fronteiras. A minha depende da realidade em que me encontro e veja que estou no mundo. A minha é, pois, universal. Não tenho rótulos embora seja o meu País a minha principal fonte. Mais: conhecendo a História da Guiné-Bissau seria presunção dizer que minha música é deste ou daquele quadrante.



E.R.: Até que ponto esta sua fonte (Guiné-Bissau) é alimentada de outras fluentes musicais?



J.D.: Volto a dizer: a música é transfronteiriça. Depende da realidade de cada país e de como isso revela no nosso sangue e de como transportamo-lo para a nossa pele. Tenho grandes expectativas sempre que vou a Cabo Verde. Gosto muito e respeitam-me. Isso é prova de que a música dispensa passaportes.

E.R.: Então como explica a sua actividade em prol da valorização dos géneros tradicionais da Guiné-Bissau?



J.D.: A música é uma matéria só. Minha música, assim como a de outros músicos que partilham os acordes que persigo, é concebida numa perspectiva antropológica e cultural. Veja que em toda a minha criação bebo do que me foi legado. Nada mais natural que eu – agora – procure estudar esta herança e transmiti-la.

E.R.: Neste momento da carreira tem conseguido ter voz decisiva no seu projecto?



J.D.: Sou mentor do meu próprio projecto e ajudado por duas equipas de produção. Meu produtor é senegalês e trabalho com meus amigos de Bissau. Estamos muito próximos do Senegal e é uma experiência que me dá muita satisfação. As experiências francesa e senegalesa nos servem muito. Fazemos fronteira com o Senegal e a cultura Senegalesa acaba por desaguar em nós. Tenho vivido em França – onde tenho residência artística - e acabo de regressar de Portugal - onde sinto que se respira muito a música Africana vou a Cabo Verde. Por isso me sinto a vontade para cantar Justino Delgado.

E.R.: - E a na Guiné-Bissau pressentes que está a valer a pena a tua militância social e a tua intervenção politica?



Há paz. Mas Julgo que a Guiné-Bissau tem na Cultura um caminho para o seu levantamento económico e afirmação cultural. Falta, é certo, incentivos que hão de começar pelo apoio aos criadores. Em termos legislativos poder-se-á criar mecanismos de incentivo a produção. A música na Guiné-Bissau está ao nível dos restantes PALOP. Está de boa saúde e sentida em quase todo o mundo. O que falta é a sua condição de produto cultural e económico. É isto: falta tudo e temos a esperança de que doravante tudo comece a ser feito. Os músicos guineenses esperam que condições sejam criadas para que trabalhem na terra. Estou muito crente que isso venha a acontecer. E estou aqui para apoiar.



E.R.: Vem a  Cabo Verde com boas notícias de Bissau?

J.D.: Quem me dera ter comigo a minha banda. Compreendo que o dinheiro não esteja tão abundante entre os produtores culturais e os artistas tenham que ir arranjado para satisfazer o público. Creio, contudo, estar a altura dos músicos cabo-verdianos que me vão acompanhar. São também profissionais e são bons, tocam bem e vão, certamente, corresponder às minhas expectativas.



*Jornalista
ENTREVISTA PRODUZIDA PELA RÁDIO DE CABO VERDE